O Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) comunicou à classe fonoaudiológica de todo o país, no final de julho, a inclusão do Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT) na atualização da lista de doenças relacionadas ao trabalho do Ministério da Saúde (MS), anunciada em 30 de julho, em sessão do MS.
A atualização da lista original, publicada em 1999, foi anunciada pela coordenadora Karla Baêta, que frisou a importância da forma participativa com que foi realizada, contando com colaboração de profissionais de saúde, representantes dos trabalhadores e diversos outros setores da sociedade.
O CREFONO1 comemora a conquista, porque foi no Rio de Janeiro que a disfonia relacionada ao trabalho foi incluída, de forma pioneira em todo o Brasil, no Sinan Net (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) como de interesse estadual para notificação, ainda em 2008. A fonoaudióloga Márcia Soalheiro (CRFa 1-4685) lembra que tudo começou com a parceria entre a SESDEC/RJ (Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil) e o CESTEH/Ensp/Fiocruz (Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana) para o desenvolvimento de um Projeto Incubador de Tecnologia e Gestão e, também, promover a integração dos técnicos recém concursados, para formação da equipe do Cerest/RJ (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), sob a coordenação de Lise Barros.
“Dentre os diversos temas trabalhados, os DVRTs tiveram o espaço assegurado em nossas agendas e, assim, pudemos colaborar corajosamente, buscando nos apropriar do apoio e do espaço político institucional em que estávamos inseridas. Utilizando conceitos acadêmicos, diretrizes, políticas em saúde pública e na Saúde do Trabalhador, encontramos a base necessária para a construção da estratégia e poder propor, em 2008, à SESDEC/RJ, a inclusão do sintoma disfonia (R49) como de interesse estadual para notificação”, conta Márcia.
Assim, o Rio de Janeiro passou a ser o primeiro estado do país a reconhecer o agravo como uma questão de Saúde Pública. Outras iniciativas similares ocorreram, em seguida, segundo Márcia Soalheiro. “Naquele momento, o caminho encontrado, foi uma ‘brecha’ na Portaria MS/GM nº 104, que permitia a elaboração de listas estaduais ou municipais, de acordo com o perfil epidemiológico local. Posteriormente, essa Portaria foi substituída pela 1.271/14 e deixou de ser prevista a elaboração de listas locais, mas o Direito Constitucional garantiu a nossa proposição anterior. Criamos fatos”, recorda Márcia Soalheiro.
Já Fernanda Torres (CRFa 1-9580) relata que a conquista, ainda em 2008, foi uma parceria entre diversos atores, como Cerest estadual, Fiocruz, CREFONO1, entre outros. “Foi um esforço conjunto de várias fonoaudiólogas, como Claudia D’Oliveira (CRFa 1-9524), Márcia Soalheiro, Lucelaine Rocha (CRFa 1-10292), Eliane Simões (CRFa 1-5192). Entre os frutos colhidos, a partir desse trabalho de parceria, estão a inclusão da Disfonia no Sinan Net como doença de interesse estadual de notificação, as capacitações que fizemos com os profissionais da rede. Depois a gente teve as publicações das portarias do Conselho Regional sobre notificações de agravos vocais e auditivos, sobre atuação fonoaudiológica na saúde do trabalhador. Teve a ampliação dessa discussão pro âmbito nacional, com o Conselho Federal trazendo uma definição mais clara das nossas competências e ações na área da saúde do trabalhador, que foi muito importante”.
Fernanda Torres afirmou que ela e outras profissionais da 1ª Região participaram do grupo de discussão do protocolo e, após consulta pública, a publicação do Protocolo de DVRT também foi considerado um grande avanço. Márcia Soalheiro complementa: “Nos encontramos, a convite da área técnica da Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde/COSAT/MS, para desenvolver com outros profissionais a elaboração do Protocolo de complexidade diferenciada em Distúrbios de Voz Relacionados ao Trabalho. Foi muito importante e enriquecedor encontrar os principais atores, que lutavam com tanta garra e competência, pela mesma questão, há muitos anos. Na verdade, a recente publicação da inclusão do DVRT na lista de doenças de notificação compulsória é uma vitória de muitos, em especial, do curso de Fonoaudiologia da PUC/SP, sob a liderança da professora Léslie Piccolotto (CRFa 2-0427)”, reconhece Márcia.
A fonoaudióloga Fernanda Torres admite que o caminhar foi longo. “Fico muito feliz de ter podido contribuir de alguma forma nesse caminhar. A gente tem aí pessoas que estão há mais de 20 anos brigando por esse reconhecimento. Eu vejo que a inclusão do DVRT nessa revisão do Ministério da Saúde, tão aguardada, representa uma vitória na luta pelo reconhecimento formal da Disfonia como doença relacionada ao trabalho, um problema de Saúde Pública. É uma vitória de muitos atores: dos profissionais do SUS, nós fonoaudiólogos, da academia, dos órgãos de classe, do controle social, enfim. E ratifica o que já é consenso acadêmico, que as alterações vocais impactam na vida do profissional da voz de diversas formas. E também ratifica estudos epidemiológicos que já evidenciam essa relação do distúrbio vocal com fatores de organização e do ambiente de trabalho”.
A fonoaudióloga considera que para a Fonoaudiologia e para o SUS a inclusão do DVRT na lista de doenças do trabalho do MS é, sem dúvida, um importante norteador e instrumento, bem como o Protocolo de DVRT, para subsidiar ações de vigilância dos ambientes e dos processos de trabalho. “Acredito que a gente vá conseguir construir ambientes laborais mais saudáveis, a partir da avaliação desses ambientes e dos processos de trabalho. Para os trabalhadores que têm a voz como ferramenta de trabalho, essa inclusão é um avanço fundamental em termos de direitos previdenciários. Isso vai fundamentar o estabelecimento de um nexo de causalidade que foi tão questionado em função dos múltiplos fatores que podem levar ao desenvolvimento do distúrbio de voz. Isso pode tornar a concessão de benefício, de afastamento, das reabilitações, processos mais ágeis”, ressalta Fernanda.
Outra aposta de Fernanda Torres é que a inclusão do DVRT na lista de doenças ocupacionais do MS pode funcionar como um incentivo para que os estados e municípios incluam no seu sistema de notificação a Disfonia. “Isso vai permitir que a gente conheça a realidade epidemiológica do distúrbio vocal no nosso território e vai reduzir a subnotificação, na medida que a gente melhora a alimentação dos sistemas. Acredito, também, que pode contribuir para fomentar a discussão para inclusão da Disfonia como agravo de notificação em âmbito nacional, o que possivelmente é o próximo passo e é uma das metas de quem vem lutando por esse reconhecimento ao longo de todo esse tempo”.
Também Márcia Soalheiro vislumbra os próximos passos dessa longa e frutífera caminhada e concorda com Fernanda Torres sobre a importância de estados e municípios assumirem seu papel quanto à notificação dos agravos por distúrbios vocais. “A partir de agora, com a publicação oficial pelo MS, podemos operacionalizar o nexo. Há protocolo, orientação técnica, definição e incorporação de políticas públicas. O reconhecimento do DVRT é imprescindível para que as equipes de VISAT do Cerest ou do Município ou Estado organizem suas ações, de forma a também compreender o agravo DVRT através da sua relação trabalho-saúde- doença. Será necessário acompanhar os fluxos de referência e contrarreferência, propor condutas orientativas que permitam, estimulem e facilitem a participação de sindicatos, gestores e Ministérios Públicos na compreensão desta nova inclusão na lista de agravos à Saúde do Trabalhador”.
Mas Márcia Soalheiro reforça que é imprescindível o engajamento dos fonoaudiólogos nesse processo. “A partir de 31 de julho de 2020, os fonoaudiólogos possuem instrumentos para a coleta de dados no SINAN. É preciso haver engajamento para quantificar, qualificar e evitar a subnotificação do agravo. Precisamos de dados oficiais para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas. O DVRT é um problema de saúde ainda pouco visível e as ações de prevenção e promoção de saúde vocal ainda são incipientes”, defende ela.
E continua: “A prática fonoaudiológica em Saúde do Trabalhador e, em especial, nos DVRTs requer a incorporação e produção de saberes no campo da Saúde do Trabalhador. Deve ser apoiada em ações de Vigilância em Saúde. Olhando a trajetória percorrida e o desfecho esperado de reconhecimento pelo MS, como gestora e professora, penso que seria muito bom se os fonoaudiólogos buscassem aproximação com as propostas elaboradas pelos Cerests, com as políticas públicas, conteúdo do protocolo, notificação, visando, de fato, trabalhar para que a linha de cuidado em DVRT venha a ser implantada e implementada em toda a rede de cuidados do SUS”, arrematou Márcia, para quem a participação e o engajamento dos fonoaudiólogos é primordial.
O que é DVRT
Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho é conceituado como qualquer dificuldade na emissão da voz que impeça ou dificulte a produção vocal natural e comprometa a atuação profissional da pessoa atingida. Estima-se que os distúrbios de voz atinjam uma considerável parcela da população brasileira economicamente ativa. Entre os trabalhadores que utilizam a voz como instrumento de trabalho, conhecidos também como profissionais da voz, estão professores, teleoperadores, cantores, atores, radialistas, jornalistas, religiosos, políticos, secretários, advogados, profissionais da saúde, vendedores, ambulantes, agentes comunitários de saúde, entre outros.
Entre os sinais e sintomas que caracterizam o distúrbio podem constar cansaço ao falar; rouquidão; secura na garganta; sensação de ter que fazer esforço para falar; falhas na voz; perda de voz; presença de pigarro; dor ou ardor na garganta ao falar; engrossamento da voz; perda de volume e projeção vocal; pouca resistência ao falar e dor ou tensão cervical.
Os sintomas podem começar de forma pouco frequente, com uma característica de intensificação no decorrer da jornada de trabalho. Em geral melhoram durante o repouso noturno ou finais de semana, tornando-se progressivamente mais constantes, independente do uso prolongado da voz e não melhorando com o repouso vocal. Em alguns casos, dependendo da intensidade dos sintomas e do impacto destes no trabalho, o distúrbio pode até mesmo ocasionar a necessidade de afastamento da atividade profissional.
Por Rose Maria S. Alves, Assessoria de Imprensa, com Assessoria de Comunicação do CFFa
Em 20 de agosto de 2020
Ilustrações: CFFa e arquivo Comissão de Divulgação CREFONO1